Trabalhar com varejo é algo que me faz sentir em casa. Mas entender e gostar de um setor não significa dominar o segmento. Isso porque existem particularidades regionais e culturais que podem tornar questionáveis e jogar por terra até as estratégias mais vencedoras.
Logo que conquistamos a conta do Quartetto Supermercados, a maior rede de varejo em faturamento do Tocantins, sabíamos que teríamos desafios, estamos falando de um meio extremamente dinâmico, em que “sentir o cheiro” da loja indica caminhos e rearranjos de rotas nas campanhas.
Como uma agência pelotense, nos perguntamos como seria possível manter esse grau de proximidade com um cliente de varejo que está a mais de 3 mil quilômetros de distância.
Nessas horas, a sensibilidade precisa falar mais alto. Nossa tomada de decisão tem que ir além de aspectos racionais e superar os comportamentos e ideias que prevaleceram até então.
Quando nos permitimos sentir, acionamos muitas coisas dentro de nós, coisas que nem sempre conseguimos identificar ou nomear e nos fazem agir ou reagir de determinada forma.
Na minha última estada em Palmas, depois de dois dias de trabalho, fui invadida por uma enorme satisfação e pela sensação de que fomos capazes de transpor os obstáculos causados pela distância.
Ao sentar na poltrona do avião, respirei fundo e me percebi admirada e feliz. Então comecei a refletir sobre os aprendizados dessa jornada, reflexão que compartilho a seguir.
Curiosidade infantil na perspectiva de descoberta
Para entrar no universo de uma organização, é preciso ter a mente aberta para aprender e compreender, ter um olhar atento, ouvir e perceber o que nem sempre é verbalizado.
Aqui, o convite é para realmente esquecer dos conceitos preconcebidos e nutrir um olhar de curiosidade quase infantil, vendo com os olhos de primeira vez e fazendo perguntas como:
• O que há de novo?
• Que magia está para ser descoberta?
• Como as pessoas fazem o dia a dia da organização?
• Como os clientes reagem ao que elas fazem?
• Qual a forma genuína de estabelecer uma comunicação?
É pegar o papel em branco e formar a imagem a partir do que estamos descobrindo, e não a partir das nossas experiências passadas, do que já sabemos.
O conhecimento acumulado com cursos, congressos, livros e artigos conta muito e ajuda a construir uma possibilidade de futuro — desde que seja aplicado sob a perspectiva daquele cenário, daquele entendimento, daquela visão de mundo.
É o momento de valorizar exatamente como são os comportamentos e formas de fazer, se relacionar e empreender. Não tem certo nem errado.
Abrindo o baú para conhecer a essência
Cada organização tem uma história e cada região sua cultura, seus valores, suas crenças e sua identidade. No caso do Tocantins estamos falando de uma personalidade ainda em construção, pois o estado foi fundado há apenas 30 anos e é formado por sotaques regionais de todo Brasil.
Quando voltamos nossa atenção para a cultura organizacional e começamos a perceber os “acordos” formais e informais, a trajetória de uma organização, de seus líderes e fundadores, é como mexer naquele baú que, aparentemente, ninguém lembra que existe.
Mas é nesse baú que estão guardadas as memórias que formam a essência do que a organização é hoje. Respeitar essa trajetória, acolhendo e reconhecendo os pioneiros, nos aproxima do espírito mobilizador que formou a organização e ajuda a encontrar respostas para perguntas importantes como:
• Qual a força propulsora que motivou o nascimento da empresa?
• O que sustenta as paredes invisíveis?
• Qual a estrutura emocional dessa organização?
Atenção ao compasso para um movimento harmonioso
Ajustar o compasso é estabelecer um movimento cadenciado, com atenção ao ritmo de cada passo. Se queremos andar juntos, precisamos todos perceber quando acelerar e quando reduzir. Não é o meu movimento, mas o nosso, e o que importa é que ele tenha harmonia.
Em um processo de mergulho autêntico na marca, os primeiros movimentos precisam ser lentos para depois ganhar velocidade. Não existe fórmula instantânea ou ferramenta express que seja capaz de tirar da cartola uma identidade de marca que represente a verdade de uma organização.
Para um ser humano viver um processo de autoconhecimento profundo, ele passa por processos lentos, dolorosos e, por que não, dispendiosos, já que cuidar das dores internas demanda tempo, energia e investimento.
Se é assim com uma pessoa, imagine uma organização, lembrando que cada CNPJ é formado por um conjunto de CPFs. Não é simples entender quem é esse “ser”, formado principalmente pelo conjunto de seres das lideranças.
Algumas perguntas que convém fazer nesse processo:
• Qual o perfil dos líderes?
• Quais são seus desejos e perspectivas?
• O que eles desejam construir como legado?
• O que conecta todos os stakeholders à organização (a começar pelo seu time)?
Flexibilidade para encontrar o caminho do meio
Quando uma empresa contrata um fornecedor, é com a crença de que ele fará algo relevante e necessário, ajudando a sanar alguma dor existente. Afinal, nunca delegamos algo importante sem confiar que o responsável pela tarefa seja capaz de cumpri-la, não é mesmo?
O problema é quando não estamos preparados para os impactos que essa delegação pode trazer, pois nada garante que a tarefa será cumprida da forma que queríamos. Ao perceber isso, é comum que surja um sentimento de insegurança, que pode nos fazer enrijecer e querer preservar as coisas como sempre foram.
Isso pode acontecer tanto da parte do cliente quanto do fornecedor. Nessas situações, é a flexibilidade que vai fazer com que a confiança se restabeleça — sem precisar ferir nenhum valor.
Deixamos acomodar, entendemos o que faz sentido e a forma como faz sentido construir um novo caminho. Um caminho do meio, que seja uma mistura do que todos consideram ser uma boa possibilidade.
Por isso, quando falo em ser flexível, não se trata de abrir mão de convicções. É estar aberto e sensível para entender que podem existir atalhos ou caminhos diferentes do que imaginávamos. E o resultado também pode ser diferente do que pensávamos. Pode ser surpreendente.
…
Stela Nesello é sócia, fundadora e diretora de atendimento da Agência Incomum. Confira outros textos dela:
• Vamos agir? Precisamos de um novo contrato social
• Empatia nas relações corporativas: aprendendo a calçar o sapato alheio
• Washington Olivetto e os leads
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