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Nosso diretor, Daniel Moreira, coloca o seu ponto de vista sobre o ChatGPT e nos faz olhar para isso de forma mais abrangente e humana.
Nota do autor:
“No momento em que escrevo este texto, foi lançado o ChatGPT 4, somente para quem assina o ChatGPT Plus ou para quem usar a função “chat” no Bing, na última versão do buscador. Mas como o conteúdo deste artigo trata do assunto de forma filosófica, seu teor principal irá valer, provavelmente, para qualquer atualização e ferramentas de inteligência artificial. O certo mesmo é que, com a velocidade em que o tema está se desenvolvendo nas últimas semanas, poderá estar desatualizado em 5, 4, 3… Portanto, leia rápido!”
O ChatGPT não vai apenas ensinar você a fazer um pudim, descrever os melhores pontos turísticos da Europa ou explicar o significado de Novo Urbanismo. Isso o Google faz. De uma forma menos amigável, mas faz. A ferramenta, que virou frisson nas últimas semanas e é tema de matérias jornalísticas, podcasts e conversas de bar, pode fazer muito mais.
Cole um texto qualquer e peça para ele reescrever de cinco formas diferentes com a mesma quantidade de caracteres e ele te entregará em um décimo do tempo que seu melhor redator. Peça para ele criar um post para mídias sociais com o tema “benefícios do arroz parboilizado” ele colocará até emojis e hashtags. Sugira que ele crie uma história infantil misturando Chapeuzinho Vermelho e E.T. e terá uma aventura interestelar florestal inédita. É surpreendente.
Exemplos reais com o ChatGPT
Mas se formos um pouco mais a fundo, e pedirmos para ele escrever um texto baseado no estilo literário de um escritor ou compositor? Vamos analisar um trecho de uma canção da Clarice Falcão.
“Se parar para comparar vai dar pra ver
Tem mais “você” que nota dó
Eu vou ter que me controlar
Se um dia eu quero enriquecer
Quem vai comprar esse CD
Sobre uma pessoa só?
Hoje eu falei pra mim
Jurei, até
Que esta não seria pra você
E agora é”
Clarice tem um texto muito peculiar. Notem as sutilezas.
Pedi, então, para o ChatGPT interpretar os versos da compositora. Olha o que ele me disse:
“Os versos parecem tratar de um conflito interno de alguém que está escrevendo uma música ou um álbum sobre outra pessoa, mas sente que está colocando muito de si mesmo na obra.
Na primeira estrofe, o eu lírico indica que há mais referências a “você” (a pessoa em questão) do que elementos estritamente musicais ou artísticos, como a nota dó. Ele reconhece que precisa se controlar e tentar encontrar um equilíbrio entre falar sobre a pessoa em questão e criar uma obra que possa ser comercializada.
Na segunda estrofe, o eu lírico fala diretamente para si mesmo, prometendo que a música não seria sobre a pessoa em questão. No entanto, ele admite que acabou incorporando elementos dela na obra mesmo assim, sugerindo que talvez seja difícil se afastar completamente da influência dela.”
É de tirar o chapéu. No entanto, eu pedi para ele compor algo com a mesma perspicácia desses versos de Clarice. Olha o que ele fez.
“Sei que não posso me distrair,
Pois há mais do “eu” do que do “nós” por aqui.
Preciso me controlar, focar no que importa,
Se quero que minha arte um dia me suporte.
Quem quer ouvir uma só história,
Se o mundo está cheio de tanta memória?
Preciso encontrar a minha voz,
E cantá-la com todo o meu ardor.
Jurei que não iria me perder,
Mas a tentação de você é difícil de esquecer.
Preciso me manter fiel ao meu caminho,
E encontrar a luz que me guia no escuro.
Às vezes, a solidão é a melhor companhia,
Pois me permite criar sem amarras ou alquimia.
Preciso me lembrar que o meu talento vem de dentro,
E confiar que minha arte encontrará o seu destino.”
É. Parece que ele consegue interpretar a criatividade mas não consegue fazer o processo inverso. Se pensarmos bem, isso é o que acontece com a maioria das pessoas também. Se todos fossem geniais, ninguém seria genial. Então, de fato, o ChatGPT é ótimo para automatizar coisas, mas está longe de ser “genial”.
Iberê Thenório, youtuber e apresentador do canal “Manual do Mundo”, fez um vídeo no qual colocou o ChatGPT para responder todas as perguntas de uma prova do ENEM. A plataforma acertou apenas 59% das questões, deixando a desejar, principalmente, — pasmem! — nas de matemática. Claro que teve dificultadores, como a incapacidade de apreciar os gráficos e imagens que ilustram as questões. Foram usadas as descrições para deficientes visuais como alternativa. Mas o ChatGPT acabou se mostrando um aluno bem mais ou menos: um aluno nota 6. Mas, diga-se de passagem, acima da média nacional da mesma prova, que ficou na casa dos 5. Você pode ver o vídeo completo do Manual do Mundo aqui.
Quando o Deep Blue venceu Kasparov em uma partida de xadrez, todos acharam que era o começo do fim. Em 1997 o campeão russo levou a melhor na primeira partida, mas Deep Blue aprendeu com os erros do adversário e foi vitorioso na segunda. Tá certo que xadrez é um problema bastante matemático e nada humano. Já o ChatGPT consegue processar informações muito mais orgânicas, como as do exemplo acima, apesar de não conseguir ainda reproduzi-las. Pode ser uma questão de tempo.
Algoritmos e o emburrecimento das pessoas
A vasta informação disponível da Internet é algo assustador. Tudo ao alcance de todos. Será mesmo?
Com o propósito do Google de organizar a informação do mundo, e frente ao crescimento exponencial de ofertas, algumas escolhas precisaram ser feitas. A principal delas diz respeito a “o que tem valor e o que não tem”. Mas quem determina que conteúdo vale mais do que outro? Pois é, o Google optou por uma lógica um tanto quanto perversa e “estupidificante”. Ele criou algoritmos que valorizam propriedades do texto como repetição de palavras, repetição de argumentos em parágrafos, escrita infantil, entre outras condições para rankear melhor cada página. Um algoritmo fácil de decifrar que está promovendo a criação massiva de milhões e milhões de textos plastificados, criados para serem lidos pelos robôs do Google e não por seres humanos. Há toda uma geração sendo criada, alimentada pelos conteúdos melhor ranqueados que, nem de longe, contribuem para o enriquecimento do intelecto humano. E agora chega o ChatGPT.
O ChatGPT (e as inteligências artificiais), não vão apenas emburrecer as pessoas por tirar delas a capacidade de criar e se expressar. Vai chegar um ponto em que essas ferramentas estarão usando como base de dados os conteúdos criados por elas mesmas, em uma retroalimentação sem fim. Isso sem falar na quantidade de respostas erradas e totalmente sem nexo que ainda acontecem. Não sei por quê, mas viajei agora: lembrei aqui da doença da vaca louca, em que os animais ficavam doentes por consumirem ração feita com suas próprias carcaças.
Resolvi perguntar sobre isso ao ChatGPT:
“No momento em que a maioria do conteúdo do mundo for produzido por inteligência artificial, não corremos um risco de criar um referencial padronizado que a própria inteligência artificial acabará usando como fonte de dados? O processo não será retroalimentado por si só, descartando a criatividade e o pensamento crítico? Os seres humanos não ficarão menos inteligentes por conta disso?”
Olha o que ele me respondeu:
“Sim, existe esse risco. Se as ferramentas de inteligência artificial forem usadas de maneira excessiva e sem supervisão adequada, pode haver uma tendência em direção a uma
‘padronização’ do conteúdo produzido, o que pode prejudicar a criatividade e o pensamento crítico. Além disso, se as pessoas dependerem excessivamente da lA para gerar conteúdo e tomar decisões, pode haver um declínio na habilidade humana de pensar criticamente e de formular ideias inovadoras.
No entanto, é importante destacar que a IA ainda é uma tecnologia em desenvolvimento e que os seres humanos têm o papel de supervisionar e regulamentar o uso da tecnologia. A IA pode ser usada como uma ferramenta para apoiar e aprimorar o trabalho humano, mas não deve ser vista como uma substituição para o pensamento humano. É importante encontrar um equilíbrio entre a utilização da IA e o papel dos seres humanos na criação e regulamentação do conteúdo.”
Resumindo: o ChatGPT, até o momento, pode ajudar a resolvermos tarefas burocráticas e que não exijam criatividade — o que é 99% de tudo que se produz para a internet hoje em dia. Agora, se você quer um conteúdo com encantamento, que cause aquele brilho no olho, aquela sacada surpreendente que te pega desprevenido e te arrebata, por enquanto, só um ser humano, e dos bons, é capaz de proporcionar. E mais: sim, vamos ficar mais burros. Como seremos chamados? Homo stultus?
Daniel Cuca Moreira
Sócio-diretor da Incomum