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Uma percepção de Daniel Moreira (Cuca), diretor de criação da Agência Incomum
O criativo olhava para o produto ao lado do mouse. Lia e relia o brief. Conversava com o seu dupla. Nenhuma ideia era boa o suficiente. Até que veio a sacada e o entusiasmo. Não representava exatamente a personalidade do cliente, mas o insight foi demais para ser jogado fora. Resolveu levar adiante.
Se você trabalha na criação de uma agência de propaganda, certamente se identificou com essa história.
A superexposição das marcas causada pelas mídias sociais trouxe à tona uma antiga necessidade por vezes esquecida: falar a verdade. Não se trata mais apenas de vender produtos, mas conceitos, identificação. O negócio pelo negócio já não se justifica. As pessoas carecem de significado para tudo que fazem e consomem. Trata-se de conquistar e manter fãs. Não é à toa que o Facebook batizou o espaço para marcas de “fan page”. As empresas assumiram um papel de geradoras de conteúdo, abastecendo as timelines de quem busca por informação, entretenimento e, principalmente, pelos dois ao mesmo tempo; conteúdos que precisam carregar o conceito da marca. Mas é aí que a coisa começa a desandar.
Existem dois grandes grupos de empresas: as que conhecem sua essência, o propósito de sua existência, e as que não. Ainda, essas que sabem o que estão fazendo se dividem em dois tipos: as que podem basear sua linha editorial (por que não chamar assim?) naquilo que são de fato e as que tentam compensar sua escassez de virtudes com uma comunicação díspar. Seja por uma falta de direcionamento à agência ou por um brief diverso à sua identidade, surgem estratégias extremamente criativas. Elas são cheias de significado emocional, altamente compartilháveis, fazem chorar, mas, se bem analisadas, não representam de fato a empresa. Elas ajudam a montar uma imagem de marca, no mínimo, hipócrita e, no máximo, mal-intencionada. É como uma empresa amarela se vender azul.
É fácil encontrar esse engodo. Os tão em voga videocases de marketing de guerrilha estão cheios disso: a agência cria uma situação de envolvimento, geralmente na rua, registrando a reação das pessoas ao se deparar com o fato inusitado. Sonorizado com uma trilha cujo título deve se chamar “videocase”, pois é sempre igual, vende uma ação realizada em um dia, com algumas dezenas de transeuntes, mas que faz transparecer um grande trabalho de envolvimento social, que atingiu milhares de pessoas. É como se a marca estivesse realmente preocupada com a situação evocada e tivesse impactado a vida das pessoas. Mas não. É tudo mentirinha. É apenas um vídeo feito com uma pequena amostra que serviu para dar vida à história. E todos pensam: “poxa, que empresa bacana! Estão preocupados em transformar a vida das pessoas!”. Isso nem seria o problema, pois a quantidade de visualizações geradas pelo compartilhamento do vídeo com certeza contribui para disseminar a mensagem e pode influenciar com alguma intensidade quem assiste. A questão mesmo é a falta de propriedade com que as marcas lançam mão dos conceitos. Você acha realmente que uma marca muito famosa, que influencia a saúde de bilhões de pessoas, diariamente, está mesmo preocupada em aproximar israelenses e palestinos, em reforçar os laços de família? Só para citar um caso que todo mundo conhece, apesar de a questão ser recorrente até com a padaria da esquina.
Apenas a pequena fatia mais crítica do público percebe e fica com o pé atrás. O restante se deixa envolver, curte, compartilha e chora. Arrisco a dizer que ainda funciona. Mas por quanto tempo? E se a verdade (não a meia verdade, mas a verdade integral!) dominasse a propaganda? Como seria? Como empresas sem conceito ou sem conceito-possível-de-ser-comunicado anunciariam? Seriam socialmente boicotadas? A saída seria voltar aos reclames, da forma mais sincera que conseguissem ser?